Crialme: fazer o primeiro fato à medida

        Na minha constante procura pelas empresas, marcas e alfaiates Portuguêses que produzem roupa clássica masculina, não tenho tido sorte em encontrar um fabricante que faça roupa à medida sem ser exorbitantemente caro. Ou se encontra marcas de gama de entrada de pronto-a-vestir, como a John Tweed, lojas de pronto-a-vestir (PAV) com tecidos e marcas caras, como a Rosa Teixeira, ou alfaiates que estão fora das minhas possibilidades. Até agora. Já tinha ouvido falar sobre a Crialme através de vários familiares meus, por isso quando um amigo meu, vamos chamar-lhe ATC, decidiu subir a fasquia e comprar um fato melhor do que um pronto-a-vestir, sugeri-lhe irmos visitar este sítio que se tornou mito no meu subconsciente.


        A Crialme é uma fábrica de roupa clássica para homens situada na Rua do Facho nº 41 em Sobrosa, Paredes, a meia hora do centro do Porto. Fazem tanto produtos prontos a vestir quanto «made-to-measure» (MTM), roupa feita à medida mas cujos moldes são padronizados e depois ajustados através dum computador. É um passo abaixo do feito à medida que se espera de um alfaiate, que desenha os moldes/padrões à mão e consegue ajustar todas as medidas e partes da roupa, mas um passo bastante acima do pronto a vestir. Isto reflete-se no preço: geralmente os MTM são o dobro do preço dos PAV, e os «bespoke» são o dobro (e por vezes o triplo) dos MTM, pelo menos em Portugal.


A minha experiência

Marcação

        O primeiro passo foi marcar uma visita. Há dois horários diferentes: o da fábrica (Segunda a Sexta-feira, 9:00 às 12:30 e 14:00 às 18:00), que é o horário que está no website, e o da loja (Segunda a Sexta-feira, 10:00 às 12:30 e 13:00 às 19:30, Sábados 9:30 às 13:00), que é o horário que se vê no Instagram. Infelizmente não me responderam ao email que enviei para geral@crialme.pt (aparentemente foi para o lixo), por isso ligámos para o número que está no website (+351 255 868 200), o número da fábrica, e fizemos a marcação da visita. Há outro número que aparece nos cartões de visita (255 861 604) que talvez seja o número da loja. Os tempos de espera para a marcação estão entre uma e duas semanas, e recomendaram-nos marcar um período de 1:30h para a visita. Marcámos para as 18:30 na Quinta-feira, dia 21 de Novembro. 

Primeiras impressões

        A distância do centro do Porto à fábrica é de 35km, e chegámos com 15 minutos de antecedência. Ainda bem, porque tentámos entrar pela entrada da fábrica que estava fechada.


        Felizmente uma funcionária viu-nos e informou-nos que a entrada para a loja se fazia por outro lado.



        Entrámos na loja e conhecemos a Srª. Dª. Céu que nos acompanhou durante todo o processo. A loja estava bem iluminada, decorada com bom gosto e conseguimos ver um leque grande de produtos, de diferentes estilos e formalidades. Os sapatos interessaram-me logo. Por um lado, vi uns modelos horrendos de cores exóticas que nunca usaria na minha vida, mas por outro vi uns modelos clássicos com preços bastante competitivos: sapatos com a construção «blake» a 130€ e outros «goodyear» (em Português também se chamam «palmilhados») por 200€, da marca Calçado Penha. Em termos de acessórios têm gravatas, meias, cintos, suspensórios, botões de punho e lenços de bolso, entre outros. Também têm algumas camisas prontas-a-vestir, mas não fazem camisas à medida. Recomendaram-nos o Sr. Fernando Queiroz da Camisaria Fidúcia, no Porto, que eu já conheço e gosto.

 










Escolher os detalhes do fato

        Depois de termos dado uma vista de olhos pela loja, sentámo-nos com a Céu para escolher os detalhes do fato. O meu amigo já tem os fatos basilares, por isso queria fazer um fato clássico e versátil que não se consegue encontrar facilmente em lojas: um fato trespasse. Aprendi com a Céu, entre muitas outras coisas, que se costuma usar o termo «trespasse» ou «trespasse duplo» no Norte e «assertoado» no Sul.

 


     

        O ATC escolheu um modelo intemporal com 6 botões, numa fazenda (também se pode chamar tecido) “midnight blue” (que é o azul mais escuro que se pode usar para smokings). Esta fazenda fazia parte do inventário da Crialme, logo foi mais acessível do que outras opções. No entanto, o leque de escolhas de marcas, cores e padrões é quase infinito: Dormeuil, Loro Piana, Holland & Sherry, Colombo, Drago, Zegna e outras. Fomos informados que é a escolha de fazenda que determina o preço do fato e não o modelo ou os detalhes que se preferem.

 

diferentes opções para casacos trespasse
 
comparando azul marinho e "midnight blue"

        Para o forro, azul escuro para o corpo e azul-bebé com uma risca para as mangas e os bibes dos bolsos. Deram-lhe a opção de ter um pequeno texto bordado no forro do casaco, ou com o seu nome inteiro ou com as suas iniciais. Escolheu a segunda opção num azul bébé (a cor 007) com a «Monotype Corsiva» como fonte tipográfica. Exatamente o que eu escolheria. Também ofereceram para colocar a etiqueta do tecido (Vitale Barberis Canonico) no interior do casaco, detalhe que foi considerado irrisório.

 

combinação de fazenda, forro e forro para os detalhes

opções de fontes tipográficas para o bordado do forro
 
opções de cores para o bordado do forro. as minhas preferidas são a 001 e a 036

         

        Para a parte de baixo da gola, que só fica visível quando se levanta a gola para nos protegermos do vento gelado, um tecido azul escuro. Lapelas em bico, que são as únicas apropriadas para um fato trespasse visto que são mais formais, e com picotado.

 

opções para a parte de baixo da gola, escolheu-se a mais escura


        Escolheu bolsos de portinhola, ou «com pala», com um terceiro bolso acima do bolso direito, apelidado «bolso de bilhete». Os botões escolhidos foram azuis escuros, porque se fossem pretos ou castanhos condicionariam a escolha de sapatos para serem da mesma cor (no entanto sou da opinião que este fato só se deve usar com sapatos pretos). Para o fim, mantiveram-se as rachas duplas. 


        Para as calças, preferiu que tivessem presilha em bico centrada na lateral (no cinto), em vez de passadores para o cinto ou só botões para suspensórios. O cós do cinto (interior das calças) vai ficar às risquinhas azuis bebé, tal como parte do forro do casaco, e terá uma barra de silicone para fazer aderência à camisa para não sair de dentro das calças. Não terão dobras na abertura (cuffs em Inglês), porque dobras tornam as calças menos formais, e para compensar essa falta de fazenda extra que ajuda a fazer peso para as calças caírem mais elegantemente, foi-lhe recomendado adicionar uma «fita guarda-lamas». Curiosamente algo que faltou foi discutir a existência de pregas, por isso assumo que as calças não as terão.


fita de silicone no cinto
 
opções para as presilhas

 

        Com tudo escolhido, era altura de tirar as medidas. 

Tirar as medidas

        Começou-se pelas calças. Primeiro precisava-se de saber qual seria a altura do gancho (que determina onde o cinto vai ficar no nosso corpo). Posto doutra maneira, esta medida determina se as calças vão ser de cinta descida ou subida. O ATC decidiu aumentar a altura ligeiramente, de forma a que o cinto ficasse perto, mas não tocasse no umbigo, o que é uma boa escolha para evitar o «triângulo das bermudas». Depois apertou-se o cinto e ajustou-se a cava do gancho para evitar que houvesse demasiado tecido no rabo. A Crialme deixa 6cm de fazenda extra para se poder alargar as calças caso engordemos. De seguida mediu-se o comprimento das calças e depois escolheu-se a largura da abertura das calças nos sapatos, que se aumentou. A largura nas coxas e nos gémeos manteve-se como a original. A Céu recomendou não fazer um corte atrás no cinto em V, para se poder alargar as calças sem se notar.

 

apertando o cinto

escolhendo o comprimento e a largura da abertura das calças

        Passando ao casaco, o ATC vestiu um casaco padrão tamanho 50 nos ombros. Manteve-se o comprimento do casaco que tem de dividir o corpo ao meio (uma boa forma de verificar é ver se conseguimos agarrar no casaco fechando as mãos com os braços esticados, porque os braços dos homens geralmente acabam a meio do corpo). É importante que os ombros sejam escolhidos de acordo com a largura que temos hoje, porque não se podem alargar. No entanto, pode-se apertar os ombros mesmo que não seja eficiente na ótica financeira. Vincos horizontais e verticais nas costas podem ser causados por falta de largura nos ombros ou por uma inclinação dos ombros que o casaco não está feito para acomodar. Também se teve em conta na orientação dos ombros (dianteiros ou traseiros). Depois rodou-se as mangas para evitar vincos nessa zona. Em seguida apertou-se a cinta. Escolheu-se a posição do botão, que é mais difícil de fazer com casacos trespasse visto. A Céu pediu ao ATC para desapertar o botão sem olhar e ele tocou num sítio abaixo do botão atual, o que significa que é a sua zona de conforto. Manteve-se a largura das lapela/bandas/virados. Depois escolheu-se a altura da linha de praça, que separa a gola da lapela, baixando-se ligeiramente.


vendo os vincos das costas causados por ter os ombros mais inclinados do que o casaco permite

rodando as mangas

vendo a altura da linha de praça

Preços, tempos de entrega e conclusão

        Deram-nos um prazo de 1 mês para fazer o fato e marcámos a 1ª prova para dia 16 de Dezembro. Disseram-nos para trazer sapatos e uma camisa que se vai usar com o fato, o que fizemos já na primeira visita que recomendo a fazerem, porque nos deu bastante jeito. Tragam também uma gravata para fechar a camisa, visto que o colarinho fica diferente com uma gravata. O ATC partilhou o seu número de telemóvel para o poderem contactar e, em seguida, a Céu deu-nos o privilégio de vermos como se metem as escolhas e medidas no sistema informático. O fato ficou por 450€, que só se paga quando se recebe o produto final. 

 

corredor com peças

folha com medidas


        Em termos de preços, peças à medida dependem sempre da fazenda escolhida, por isso os seguintes preços são os preços mínimos, com o tecido mais em conta, para cada peça:


  • Calças >= 110€

  • Colete >= 100€

  • Casaco >= 260€

  • Fato >= 400€

  • Fraque (casaca, calças, colete) >= 700€

  • Sobretudo >= 400€


        Não fiz muitas perguntas sobre preços de peças pronto-a-vestir, mas vimos sobretudos de lã bons, suficientemente compridos e quentinhos por 190€, o que é bastante em conta. Talvez seja o meu presente de Natal para mim próprio.

 

sobretudos pronto-a-vestir
 

        Em conclusão, ambos gostámos muito da experiência e esperemos que o fato consiga fazer jus às expectativas. No próximo artigo nesta série sobre a Crialme, vamos falar sobre a 1ª prova do fato e também explorar mais o pronto-a-vestir da loja da fábrica.


        Um grande agradecimento à Céu que me respondeu a todas as perguntas que eu fiz (e eu fiz muitas, mesmo muitas perguntas).

 

Um abraço,

Luís